(Todo) o poder do professor: diferentes concepções filosóficas sobre o papel docente
- Pragmatikós
- 21 de mai. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de mai. de 2019
Era um domingo de manhã quando vi que um amigo compartilhou uma matéria no facebook sobre formação de professores. De nome bastante curioso, a matéria “Todo poder aos professores” trata de uma pesquisa feita no Instituto de Pesquisas em Educação da Universidade de Melbourne, na Austrália, que analisou mais de 65 mil estudos na área da educação e chegou a conclusão de que “nada faz mais diferença na vida profissional de alguém que um bom professor”. O investimento na formação docente assim como o desenvolvimento de algumas habilidades e responsabilidades docentes, são as estratégias mais eficazes – e de baixo custo - para melhorar o aprendizado do aluno.

De acordo com essa pesquisa, fica evidente a importância do professor no processo de aprendizagem, entendendo a docência não como um dom ou vocação, mas como uma prática que pode ser aprendida e aperfeiçoada.
Isso me lembrou das teorias aprendidas na disciplina “Questões filosóficas aplicadas a educação”. Historicamente, as ideias a respeito de qual deveria ser o papel do professor, bem como qual é o objetivo da educação, vem sendo alteradas. Revisitando algumas delas, expostas no texto Filosofia da Educação, de Leonardo Sartori Porto, percebi que muitas seguem o que foi explicitado nesse estudo – enquanto outras vão na direção contrária.
IDEALISTAS
De forma resumida, para os idealistas o conhecimento é inato, partindo primeiro das ideias para depois ser expresso na prática. Para Platão, o aprendizado acontece através da rememoração, ou seja, a educação é o processo de lembrar daquilo que já sabemos. Já para Santo Agostinho, não temos lembranças, mas sim inspiração divina. Para ambos, o papel do professor é conduzir o aluno na descoberta desse conhecimento. Ou seja, o professor deve ajudá-lo a se lembrar – ou ter consciência – daquilo que na verdade ele já sabe.
EMPIRISTAS
Os empiristas vão no sentido contrário das ideias expostas acima. Nessa teoria, a experiencia sensível é valorizada, pois não há conhecimentos inatos. Um dos autores que podem ser considerado empirista é John Locke. Para ele, o aluno só compreende aquilo que ele próprio elabora. Nesse sentido, o papel do professor não é transmitir conteúdo, mas métodos que ajudem o aluno a produzir diferentes tipos de conhecimento. Cabe ao professor ensinar esses métodos através dos quais o aluno pode obter o conhecimento.
TRANSCENDENTAIS
Como alternativa as duas correntes acima, os teóricos transcendentais acreditam que os sentidos nos fornecem em alguma medida algo que é inato, porém o conhecimento só é atingido plenamente através da experiencia sensível. Um exemplo de filosofo considerado transcendental é São Tomás de Aquino. Para ele, nós temos em potência a capacidade de adquirir conhecimento, porém só adquirimos através do ato de conhecer. O papel do professor é conduzir o aluno partindo daquilo que ele já conhece.
Kant também é considerado representante desta corrente. Para ele, a educação transforma o homem de um estado de selvageria para a civilização. No texto “Sobre a Pedagogia”, o autor explicita que a educação tem o objetivo de: disciplinar o indivíduo (ou seja, conter esse estado de selvageria); desenvolver a cultura no individuo (criar habilidades); tornar o indivíduo prudente (para que permaneça em seu lugar na sociedade); moralizar o indivíduo (torna-lo capaz de escolher boas finalidades). Nesse sentido, o professor deve treinar o aluno no uso de regras; elas devem ser ensinadas e usadas na transformação desse indivíduo. Ainda, para conseguir tal objetivo, o professor deve ter uma excelente formação e domínio não só do conteúdo, mas dessas regras também.
CONTEMPORANEOS: PÓS MODERNOS
São muitas as filosofias contemporâneas, entretanto uma das mais corriqueiras é a pós-moderna, que de forma resumida, acredita que o conhecimento é fruto das relações de poder. Nessa filosofia, o papel do professor é criar no aluno habilidades ao invés de transmitir conhecimento. Ou seja, como Gilbert Ryle acredita, o professor deve se preocupar em ensinar como e não ensinar que. Embora críticos das antigas filosofias, a ideia de desenvolvimento de habilidades se parece com outras já expostas.
REFORMISTAS
Os reformistas acreditam que através da educação é possível mudar as estruturas da sociedade. Um Dos teóricos dessa corrente é Theodor Adorno, que ao refletir sobre o nazismo, entende que a educação deve ser acompanhada de certa criticidade. Ela deve ser dotada de esclarecimento, que para o autor é a racionalidade em ação. No texto, não é explicitado como ele enxerga o papel do professor nem se ele propõe alguma metodologia educacional. Entretanto, o desenvolvimento do senso crítico é objetivo fundamental da educação, e dessa forma, também do professor.
APERFEIÇOADORES
Para estes, a educação deve servir e se adequar as formas de governos. Um dos defensores dessa ideia é Aristóteles, que não vê a educação apenas como meio de fazer indivíduos obedecerem, mas de alcançarem a felicidade, uma vez que se os indivíduos estão alinhados com os objetivos do estado, ambos estão empenhados em alcançar a felicidade como algo coletivo. Nesse sentido, é objetivo da educação a manutenção e aperfeiçoamento da sociedade, visando sempre o bem comum.
Fato é que, desde muito tempo, os pensadores já enxergavam que a produção de habilidades que deem autonomia ao indivíduo para pensar por si só é o ideal que a educação deveria alcançar. A pesquisa apresentada mostra que o professor deve não somente desenvolver nos alunos essas habilidades, mas também desenvolvê-las em si mesmo. A docência é uma prática dotada de habilidades. Não é um dom ou uma vocação. Ninguém nasce sabendo dar aula, diferente do que pensariam os inatistas. Nenhum professor nasceu para dar aula, mas escolheu aprender a dar aula e diariamente aprende entre teorias e práticas diversas formas de fazê-lo.
Referencias:
TODO PODER AO PROFESSOR. ÉPOCA, 2016. Disponível em: <<https://epoca.globo.com/educacao/noticia/2016/11/todo-poder-ao-professor.html>> Acesso em: 20 mai. 2019.
KANT. Immanuel. Sobre a Pedagogia. Tradução Francisco Cock Fontanella. 2. Edição. Piracicaba: EditoraUnimep, 1999.
PORTO, Leonardo Sartori. Filosofia da educação. Zahar, 2006.
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